Como as cirurgias bariátricas funcionam (de fato)? 

Quando as cirurgias foram imaginadas, pensadas e começaram a ser realizadas dois mecanismos foram os objetivos para fazer pessoas perderem peso: restrição e má absorção. Felizmente hoje, esses mecanismos são mais bem compreendidos e parecem influenciar bem menos as cirurgais do que pensados anteriormente. 

Restrição: por definição linguística, é uma imposição de limite ou um condicionante. É uma limitação ou condição que a lei impõe ao livre exercício de um direito ou de uma atividade; reserva, ressalva. No sentido biológico seria uma dificuldade de alguma natureza para o indivíduo ingerir os alimentos desejados. O entendimento da época era de que o paciente não conseguia se controlar em relação a alimentação, mas uma dificuldade no organismo que pudesse limitar a alimentação poderia levar a perda de peso. O primeiro mecanismo pensado foi a colocação de aparelhos ortodônticos limitando a abertura da boca. Após muitos problemas, o dispositivo foi abandonado, mas a ideia de alterar a capacidade de armazenamento do estômago diminuindo a quantidade de alimento que o indivíduo consegue comer permaneceu, inclusive até os dias de hoje. É o mecanismo mais óbvio que todos conseguem compreender, mas como colocado abaixo, não explica os mecanismos observados com as cirurgias e seus efeitos metabólicos como pensado originalmente. Além disso, as modernas cirurgias bariátricas não tem de fato restringido a alimentação dos pacientes como se pensava anteriormente. Um exemplo disso é que se passou a evitar o uso de anéis plásticos que se usavam antigamente nas cirurgias, não piorando os resultados de perda de peso e diminuindo o número de entalos e dificuldades alimentares. Hoje em dia, as cirurgias modernas não buscam restringir muito a alimentação para os pacientes perderem peso. O melhor entendimento dos mecanismos hormonais levaram a compreensão que a melhor "restrição" é na verdade hormonal, através de mecanismos fisiológicos e não através de mecanismos mecânicos.

Disabsorção: Outro mecanismo pensado, baseado em comparação com doenças...  Se o indivíduo não consegue absorver uma parte dos nutrientes dos alimentos, esses não são absorvidos e não causam ganho de peso. Assim, se a pessoa diminuir a absorção pode começar a perder peso. É a base de uma das medicações usadas hoje para o tratamento clínico da obesidade: Orlistate (ou Xenical). Essa medicação diminuição a absorção de lipídeos pelo organismo e o paciente percebe a saída de gordura não digerida no vaso sanitário. Estudos recentes tem mostrado que as cirurgias bariátricas quase nada apresentam esse efeito e, diferente do que pensado anteriormente, quando mais se tenta aumentar a disabsorção, mais se alcança efeitos metabólicos com as técnicas cirúrgicas. As cirurgias modernas bariátricas não buscam causar disabsorção para o paciente perder peso e sim, buscar mecanismos hormonais que possam causar esse efeito sem efeitos colaterais como diarreias. 

Aparelho digestivo pensado antigamente

Aparelho digestivo pensado hoje (nesse modelo o tubo digestivo está representado com uma cirurgia bariátrica (DGYR - ver abaixo)

Mecanismos modernos compreendidos hoje como os que realmente levam a perda de peso e resultados metabólicos das cirurgias bariátricas:


Esquema representatativo de como as cirurgias funcionam, de acordo com uma parte da compreensão mais atual. Note que diferentes cirurgias podem afetar mais ou menos determinados mencanismos. Nem todos os mecanismos são conhecidos. 

A figura ao lado mostra a complexa interação no organismo associado a alimentação e saciedade. À esquerda, os hormônios leptina (produzida no tecido adiposo) e insulina (produzida no pâncreas) agem no cérebro modulando a fome. No centro, outros hormônios como a colecistocinina, o GLP-1, o PYY, a oxintomodulina e o peptídeo P também agem no cérebro com possível comunicação também através do nervo vago. No lado direito da figura, observamos a grelina (hormônio produzido no estômago) também agindo no cérebro e sitema vago, nesse caso, aumentando a fome.

Entero hormônios ou incretinas: os últimos anos foram de muitas descobertas no campo da função endócrina do intestino e do tecido adiposo e sua relação com o cérebro e o metabolismo. Substâncias importantes como o entero hormônio GLP-1 (Glucagon-like peptide-1) foram identificados, medidos em quantidade aumentada em pacientes que se submeteram a cirurgia bariátrica e suas funções fisiológicas foram esclarecidas. O GLP-1 teve importância tão grande na compreensão dos mecanismos da cirurgia bariátrica diminuindo a gordura corporal e melhorando o controle do diabetes que medicações similares a essa substância começaram a ser produzidas e hoje são largamente usadas no controle do peso e do diabetes, são os chamados "análogos do GLP-1". Temos medicações dessa categoria como Liraglutida (Saxenda), Dulaglutida (Trulicity) que imitam o efeito fisiológico dessa substância naturalmente produzida no organismo. Assim, pacientes operados, com o aumento da quantidade desse hormônio, tem o efeito de estarem usando essas medicações sempre, porém sem terem que comprá-las, sem ter que aplicar as injeções e por tempo indeterminado. Isso pode explicar os efeitos duradouros das cirurgias, pois o paciente fica com uma modificação hormonal benéfica persistentemente funcionando no organismo. Além disso, o GLP-1 produzido pelo próprio organismo é uma substância "pura", natural, não sendo substâncias exógenas produzidas em laboratório como essas medicações, o que, possivelmente, torna esses hormônios naturais mais seguros (possibilidade especulativa e não comprovada). Outras medicações também tentam por outras formas aumentar a quantidade dessas substância como são os inibidores da DPP-4 ou gliptinas.  Essas medicações acabam aumentando os níveis de GLP-1, o que melhora o controle do diabetes. Um efeito interessante do GLP-1 é diminuir a ingestão de comida agindo no hipotálamo e tronco cerebral, que são partes do cérebro, explicando parte do seu efeito na redução de peso. Outros hormônios produzido no intestino e que tem sido ligado a diminuição da fome são o PYY e a oxintomodulina, produzidos após a alimentação e que agem no sistema nervoso central. Seus níveis estão aumentados após as cirurgias bariátricas. 


Os hormônios intestinais são produzidos principalmente no final do intestino delgado, local mostrado na figura

Esquema demonstrando onde o entero hormônio GLP-1 age no organismo modificando o metabolismo. Dessa forma, esse hormônio tem várias importantes funções biológicas.

Ácidos biliares: são substâncias conhecidas há muitos anos com função de dissolver as gorduras provenientes da alimentação. Descobertas mais recentes levaram a compreensão que essas substâncias se comportam como verdadeiros hormônios, chegando no cérebro e apresentando atividade dentro das células e tendo relação com a ingestão de comida, o gasto energético e o controle glicêmico. Abaixo, a imagem ilustra possíveis mecanismos hormonais dos ácidos biliares com sua ação em receptores intracelulares. Estudos demonstram modificação dos níveis de ácidos biliares no sangue após cirurgias bariátricas.

Kohli R, et al. Bile Acid Signaling: Mechanism for Bariatric Surgery, Cure for NASH? Digestive diseases (Basel, Switzerland). 2015;33(3):440-6.



A figura ao lado demonstra o complexo sistema de sinalização nervoso e hormonal que dizem ao cérebro do organismo que ele comeu, assim, diminuindo a fome após as alimentações. São considerados mecanismos e hormônios produzidos na parte inicial do intestino, pâncreas e no estômago que agem sinalizando a saciedade. Também, de forma mais recente, foram descobertos mecanismos produzidos no final do intestino que reforçam essa sinalização de saciedade.

Microbiota intestinal: 

Os microorganismos componentes da microbiota intestinal são eficientes em extrair nutrientes. Já é conhecido que há diferenças de organismo para organismo na extração energética dos alimentos e que há correlação com a composição da microbiota intestinal (sim, um pãozinho pode engordar mais uma pessoa do que outra).

Modificações do microbioma ocorrem na obesidade, levando a uma menor diversidade de microorganismos e diferenças na quantidade de bactérias de diferentes filos. Após as cirurgias bariátricas tem-se detectado modificações na composição da microbiota intestinal. É difícil determinar até que ponto as modificações no microbioma são causa ou consequência do estado de obesidade e sua influência com o tratamento cirúrgico, porém já foi demonstrado modificações metabólicas, como a sensibilidade a insulina, associadas a mudanças na microbiota intestinal. 

Aron-Wisnewsky J, The effects of gastrointestinal surgery on gut microbiota: potential contribution to improved insulin sensitivity. Current atherosclerosis reports. 2014 Nov;16(11):454. 



Aron-Wisnewsky J, The effects of gastrointestinal surgery on gut microbiota: potential contribution to improved insulin sensitivity. Current atherosclerosis reports. 2014 Nov;16(11):454. 

Hormônios do tecido adiposo:

Hoje são conhecidos muitos hormônios e moléculas produzidos pelo tecido adiposo. Muitas dessas substâncias tem diferentes funções biológicas e muitas interações são possíveis entre essas substância. 

Exemplos de hormônios, citocinas/adipocinas, enzimas, moléculas, ou outros fatores produzidos ou que são sugeridos como liberados pelo tecido adiposo

Bays H. Adiposopathy, metabolic syndrome, quantum physics, general relativity, chaos and the Theory of Everything. Expert review of cardiovascular therapy. 2005 May;3(3):393-404

Conclusões




Quer aprender um pouco mais? Assista slides de uma aula sobre o assunto no link:

Aula de mecanismos 

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